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1 - Da Conciliação e Mediação Extrajudicial em Cartórios



1.1 Da conciliação e da mediação na legislação brasileira

 

            O atual Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) valorizou expressamente os métodos consensuais de solução de conflitos, determinando que o Estado, sempre que possível, promova sua adoção (art. 3º, §2º)[1]. Portanto, há uma diretriz clara ao Poder Público, no sentido de privilegiar a busca da pacificação social pelos métodos consensuais.

            Esse Código processual, de modo inovador, enquadra os conciliadores e os mediadores como Auxiliares da Justiça (arts.165[2] e seguintes do CPC), ao prever que:

 

- O conciliador, atuará preferencialmente nos casos sem vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem (art. 165, § 2º, do CPC);

 

- O mediador, que atuará preferencialmente nos casos de existência de vínculo anterior entre as partes, auxiliará os interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, a fim de que pelo restabelecimento da comunicação, possam identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos (art. 165, § 3.º, do CPC);

 

- A conciliação e a mediação se baseiam nos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada (art. 166, caput, do CPC)[3];

 

- A confidencialidade estende-se a todas as informações produzidas no curso do procedimento. Seu conteúdo não poderá ser utilizado para fim diverso daquele previsto por expressa deliberação das partes (art. 166, § 1º, do CPC);

 

- A mediação e a conciliação serão regidas conforme a livre autonomia dos interessados, inclusive no que concerne à definição das regras procedimentais (art. 166, § 4º, do CPC).

 

            A Lei nº 13140/2015[4], prevê a mediação de conflitos no ordenamento jurídico brasileiro, chamada de Lei da Mediação, a qual trata da mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da Administração Pública. Ela define mediação como a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e as estimula na identificação ou desenvolvimento de soluções consensuais para a controvérsia (art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 13.140/2015).

            A Lei nº 13.140/2015 é clara quando estabelece que ninguém será obrigado a  permancer no procedimento de mediação. Outro ponto de destaque é a possibilidade do objeto da mediação versar sobre direitos disponíveis ou indisponíveis, desde que os últimos admitam a transação. A mediação pode versar sobre todo o conflito ou parte dele.[5]

            O intuito é ampliar as opções para a solução dos conflitos e afastar a falsa noção de que as formas alternativas de solução de conflitos ferem o monopólio da jurisdição (art. 5º, inciso XXXV, da CF – “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”). Em outras palavras, não há qualquer impedimento para a parte, mesmo após receber informações pertinentes sobre os outros métodos de solução de conflitos, optar por ingressar diretamente em juízo.

            Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça instituiu a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário (Resolução CNJ nº 125/201016), que busca a consolidação de uma política pública permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de solução de litígio.

            Assim, à luz dessa política, cabe ao Poder Judiciário organizar, em âmbito nacional, não somente os serviços prestados nos processos judiciais, mas também os que possam sê-lo mediante outros mecanismos de solução de conflitos, em especial dos consensuais, como a mediação e a conciliação.

            A Resolução CNJ nº 125/2010 objetiva assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados a sua natureza e peculiaridade, dispondo, entre outras. Pelas razões já indicadas, não só entre os operadores do direito, mas em toda a sociedade, prevalece o que o Professor Kazuo Watanabe denominou de “cultura da sentença”, em oposição à “cultura da pacificação”. A consequência disso é a morosidade da aplicação da Justiça. A cultura da pacificação é fundada na ideia de que os mecanismos consensuais de solução dos conflitos constituem ferramentas céleres e eficientes na promoção da pacificação social, o que é objetivo fim do Estado-juiz.[6]

 

1.2 Projeto de Lei

 

            Ressalta-se especialmente pelo caráter inovador as seguintes redações:

 

1) Art. 11. São requisitos mínimos do requerimento de realização de conciliação ou de mediação:

(….)

§4º As sessões de conciliação e mediação poderão ser realizadas de forma digital no modo online, em data e horário pré-definidos, desde que atendidos todos os requisitos de validade e segurança jurídica do ato.

 

2) Art. 18. Os serviços notariais e de registro manterão espaço reservado em suas dependências para a realização das sessões de conciliação e de mediação durante o horário de atendimento ao público.

(….)

§ 4.º Se as partes dispuserem dos meios eletrônicos próprios para realização da sessão de modo virtual, ela poderá ser realizada nesse formato na data e horário previamente designados.

 

3) Reformulação da redação para reforçar a clareza do dispositivo:

 

Art. 27. Enquanto não editadas, no âmbito dos estados e do Distrito Federal, normas específicas relativas aos emolumentos, observadas as diretrizes previstas pela Lei n. 10.169, de 29 de dezembro de 2000, aplicar-se-á às conciliações e às mediações extrajudiciais a tabela referente ao menor valor cobrado na lavratura de escritura pública sem valor econômico.

§ 1.º Os emolumentos previstos no caput deste artigo referem-se a uma sessão de até 60 minutos e neles será incluído o valor de uma via do termo de conciliação e de mediação para cada uma das partes.

§ 2.º Se excedidos os 60 minutos da sessão previamente agendada serão cobrados emolumentos proporcionais ao tempo excedido ou se forem necessárias novas sessões para a obtenção de acordo será cobrado o valor por cada sessão extraordinária, em todo caso, o custo poderá ser repartido pro rata entre as partes, salvo se transigirem de forma diversas.

 

Todos os artigos analisados foram renumerados e reorganizados no projeto de lei que ora se apresenta, inspirado no Código Nacional de Normas do Foro Extrajudicial:

 

PROJETO DE LEI Nº, DE 2024

Da Sra. Ana Clarinda de Souza Ribeiro Ferraz

 

 

Dispõe sobre a utilização da conciliação e mediação extrajudicial em cartórios como forma de resolução de conflitos e dá outras providências.

 

 Congresso Nacional decreta:

 

Das Disposições Gerais

 

Artigo 1º – Esta lei trata da criação da conciliação e mediação em cartórios extrajudiciais como forma de resolução de conflitos e deve observar o disposto na Lei n.13.140/2015 e no art. 166 da Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).

Artigo 2º – Os procedimentos de conciliação e mediação nos serviços notariais e de registro será facultativo.

Artigo 3º – O processo de autorização dos serviços notariais e de registro para a realização de conciliação e de mediação deverá ser regulamentado pelos Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMEC) e pelas corregedorias gerais de Justiça dos estados e do Distrito Federal.

Art. 4º. Os procedimentos de conciliação e de mediação serão fiscalizados pela Corregedoria-Geral de Justiça (CGJ) e pelo juiz coordenador do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) da jurisdição a que estejam vinculados os serviços notariais e de registro.

Artigo 5º – Somente poderão atuar como conciliadores ou mediadores aqueles que forem formados em curso para o desempenho das funções.

 

Artigo 6º – O conciliador e o mediador observarão os princípios e as regras previstas na Lei n.13.140/2015, no art. 166 da Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).

Artigo 7º – Toda e qualquer informação revelada na sessão de conciliação ou mediação será confidencial, salvo as hipóteses do art. 30 da Lei n.13.140/2015.

 

§ 1.º O dever de confidencialidade aplica-se ao conciliador, ao mediador, às partes, aos seus prepostos, advogados, assessores técnicos e a outras pessoas que tenham, direta ou indiretamente, participado dos procedimentos.

 

§ 2.º Não será protegida pela regra de confidencialidade a informação relativa à ocorrência de crime de ação pública.

 

§ 3.º A confidencialidade não afastará o dever de prestar informações à administração tributária.

 

§ 4.º Serão vedados para fim diverso daquele expressamente deliberado pelas partes o registro, a divulgação e a utilização das informações apresentadas no curso do procedimento.

 

Art. 7º. Aos que atuarem como conciliadores e mediadores aplicar-se-ão as regras de impedimento e suspeição, nos termos do disposto no art. 148,10 II, 167, § 5.º, art. 172 e art. 173 do CPC e art. 5.º ao art. 8.º da Lei n. 11.340/2016, devendo, quando constatadas essas circunstâncias, ser informadas aos envolvidos, interrompendo-se a sessão.

 

Parágrafo único. Notários e registradores poderão prestar serviços profissionais relacionados com suas atribuições às partes envolvidas em sessão de conciliação ou de mediação de sua responsabilidade.

           

Das Partes

 

Art. 8º. Podem participar da conciliação e da mediação como requerente ou requerido a pessoa natural absolutamente capaz, a pessoa jurídica e os entes despersonalizados a que a lei confere capacidade postulatória.

 

§ 1.º A pessoa natural poderá ser representada por procurador devidamente constituído, mediante instrumento público ou particular com poderes para transigir e com firma reconhecida.

§ 2.º A pessoa jurídica e o empresário individual poderão ser representados por preposto, munido de carta de preposição com poderes para transigir e com firma reconhecida, sem necessidade da existência de vínculo empregatício.

§ 3.º Deverá ser exigida da pessoa jurídica a prova de representação mediante a exibição dos seus atos constitutivos.

§ 4.º Os entes despersonalizados poderão ser representados conforme previsto em lei.

 

Art. 9º. As partes poderão ser assistidas por advogados ou defensores públicos munidos de instrumento de mandato com poderes especiais para o ato.

Parágrafo único. Comparecendo uma das partes desacompanhadas de advogado ou de defensor público, o conciliador ou mediador suspenderá o procedimento até que todas estejam devidamente assistidas.

 

Do Objeto

 

Art. 9º. Os direitos disponíveis e os indisponíveis que admitam transação poderão ser objeto de conciliação e de mediação, o qual poderá versar sobre todo o conflito ou parte dele.

§ 1.º A conciliação e a mediação que envolvam direitos indisponíveis, mas transigíveis, deverão ser homologadas em juízo, na forma do art. 725, VIII, do CPC e do art. 3.º, § 2.º, da Lei n. 13.140/2015.

§ 2.º Na hipótese do parágrafo anterior, o cartório encaminhará ao juízo competente o termo de conciliação ou de mediação e os documentos que instruíram o procedimento e, posteriormente, em caso de homologação, entregará o termo homologado diretamente às partes.

 

Do Requerimento

 

Art. 10º. O requerimento de conciliação ou de mediação poderá ser dirigido a qualquer serviço notarial ou de registro de acordo com as respectivas competências (art. 42 da Lei n. 13.140/2015).

Parágrafo único. Admitir-se-á a formulação de requerimento conjunto firmado pelos interessados.

Art. 11. São requisitos mínimos do requerimento de realização de conciliação ou de mediação:

I — Qualificação do requerente, em especial, o nome ou denominação social, endereço, telefone e e-mail de contato, número da carteira de identidade e do Cadastro de Pessoa Física (CPF) ou do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) na Secretaria da Receita Federal, conforme o caso;

II — Dados suficientes da outra parte para que seja possível sua identificação e convite;

III — indicação de meio idôneo de notificação da outra parte;

IV — Narrativa sucinta do conflito e, se houver, proposta de acordo; e

V — Outras informações relevantes, a critério do requerente.

§ 1.º Para os fins do caput deste artigo, os serviços notariais e de registro poderão disponibilizar aos usuários, por intermédio da rede mundial de computadores ou presencialmente, um formulário-padrão.

§ 2.º Caberá ao requerente oferecer tantas cópias do requerimento quantas forem as partes interessadas, caso não opte pelo meio eletrônico como forma de notificação.

§ 3.º Serão de inteira responsabilidade do requerente a veracidade e correção dos dados fornecidos relacionados nos incisos I a V deste artigo.

§4º As sessões de conciliação e mediação poderão ser realizadas de forma digital no modo online, em data e horário pré-definidos, desde que atendidos todos os requisitos de validade e segurança jurídica do ato.

Art. 12. Após o recebimento e protocolo do requerimento, se, em exame formal, for considerado não preenchido algum dos requisitos previstos no art. 30 deste Código de Normas, o requerente será notificado, preferencialmente por meio eletrônico, para sanar o vício no prazo de dez dias, marcando-se nova data para audiência, se necessário.

§ 1.º Persistindo o não cumprimento de qualquer dos requisitos, o conciliador ou o mediador rejeitará o pedido.

§ 2.º A inércia do requerente acarretará o arquivamento do pedido por ausência de interesse.


[1]     CPC: Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

(...)

§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.

§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

[2]      CPC: Art. 165. Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.

§ 1º A composição e a organização dos centros serão definidas pelo respectivo tribunal, observadas as normas do Conselho Nacional de Justiça.

§ 2º O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.

§ 3º O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.

[3]     CPC: Art. 166. A conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada.

§ 1º A confidencialidade estende-se a todas as informações produzidas no curso do procedimento, cujo teor não poderá ser utilizado para fim diverso daquele previsto por expressa deliberação das partes.

§ 2º Em razão do dever de sigilo, inerente às suas funções, o conciliador e o mediador, assim como os membros de suas equipes, não poderão divulgar ou depor acerca de fatos ou elementos oriundos da conciliação ou da mediação.

§ 3º Admite-se a aplicação de técnicas negociais, com o objetivo de proporcionar ambiente favorável à autocomposição.

§ 4º A mediação e a conciliação serão regidas conforme aCPC: livre autonomia dos interessados, inclusive no que diz respeito à definição das regras procedimentais.

[4]      Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública; altera a Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, e o Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972; e revoga o § 2º do art. 6º da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997.

[5]      Art. 2º A mediação será orientada pelos seguintes princípios:

I - imparcialidade do mediador;

II - isonomia entre as partes;

III - oralidade;

IV - informalidade;

V - autonomia da vontade das partes;

VI - busca do consenso;

VII - confidencialidade;

VIII - boa-fé.

§ 1º Na hipótese de existir previsão contratual de cláusula de mediação, as partes deverão comparecer à primeira reunião de mediação.

§ 2º Ninguém será obrigado a permanecer em procedimento de mediação.

Art. 3º Pode ser objeto de mediação o conflito que verse sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação.

§ 1º A mediação pode versar sobre todo o conflito ou parte dele.

§ 2º O consenso das partes envolvendo direitos indisponíveis, mas transigíveis, deve ser homologado em juízo, exigida a oitiva do Ministério Público.

 

[6]      WATANABE, Kazuo. Acesso à Ordem Jurídica Justa: conceito atualizado de acesso à justiça, processos coletivos e outros estudos. Belo Horizonte: Del Rey. 2019.

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